Sabe aquela vez que eu gritei para que você fosse embora e nunca mais voltasse? Eu nunca quis tanto que você estivesse ali ao meu lado. Eu nunca quis tanto que você me pegasse pelos ombros, me desse um beijo demorado e falasse que não ia a lugar algum porque aquele, justo aquele, era o seu lugar e que você iria defendê-lo com unhas e dentes e beijos e abraços e gritos também, se fosse necessário.
Nunca te pedi, de fato, para que me compreendesse, até porque eu sou uma incógnita até sob minha própria visão. Mas esperava que você me enxergasse. Me enxergasse por inteira, completamente, despida de conceitos e marcas adquiridas com os tombos que a vida tenha me dado, e que aqui, por baixo desse cabelo enrolado em coque e calça moletom, existe alguém com sede em ser descoberta e explorada em todas as emoções possíveis. Que enxergasse que minhas emoções e minhas implicâncias precisavam ser domadas para que eu nunca fugisse, nem na primeira nem na última oportunidade.
Mas não. Você não me enxergou. E além de não ter me enxergado, você me deixou naquela sala vazia gritando comigo mesma e com todo esse turbilhão de sentimentos (entre amores e ódios) que percorriam minhas veias, vendo suas costas partirem.
Não sei se eu desisti ao permitir que você passasse por aquela porta, se você desistiu quando percebeu que aquele desafio era maior do que suas próprias forças, ou se nós dois desistimos juntos quando permitimos voltar à nossa individualidade costumeira que nos afasta, mas, curiosamente, nos une em um laço que insistimos em atar e desatar um milhão de vezes.
Sabe aquela vez que te disse ao pé do ouvido que aquilo tudo era melhor do que merecíamos? Talvez eu estivesse certa. Talvez esse silêncio saudoso de nossas risadas seja o que realmente era do nosso direito desde o começo, mesmo que insistíssemos em ocupar nossos ouvidos com nosso próprio conto de fadas. Talvez esse tal conto, nosso conto, seja o que merecemos. Escrito fora da linha, com letras tortas e erros ortográficos. Sem métrica. Sem regras. Sem pontuações.
E nessa reticências, talvez você finalmente me escute e volte para segurar meus ombros e passar as mãos entre o emaranhado dos meus fios de cabelo, e venha, finalmente, defender o seu lugar de direito.